LITERATURA DE CORDEL INFLUÊNCIA ASPECTOS CONSTITUTIVOS DO NORDESTE
O Nordeste é o melhor lugar para se contar as
histórias. Na região, encontramos as lavadeiras do rio que levam as bacias de
roupa na cabeça, a rezadeira da novena de Santo Antônio, as famílias clamando
ao céu uma nuvem carregada de chuva, o repentista com viola na mão, o sertanejo
e as rodas para dançar baião. O cordel reúne esses causos rimados em versos e
impressos num folheto preto e branco.
A literatura de cordel chegou no Brasil na época
dos portugueses. Por muito tempo, no século XIX, foi considerada como
“literatura menor”. Mas essa linguagem se espalhou e encontrou seus maiores
poetas no Nordeste, como Patativa do Assaré (CE), Manoel Monteiro (PB), Bule
Bule (BA), Mestre Azulão (PB), Cego Aderaldo (CE), entre outros.
O pesquisador brasileiro de cordel, Marco
Haurélio, explica que a inclusão de histórias do universo nordestino foi o que
caracterizou a literatura como dessa região. “O fato mais importante para a
definição de uma poética popular nordestina (e, consequentemente, brasileira) é
a inclusão da gesta do gado e da gesta cangaceira entre
os temas principais”, ressalta.
Na Bahia, um dos nomes mais expressivos do cordel
é Antônio Ribeiro da Conceição, ou simplesmente Bule Bule. Poeta há 46 anos,
ele diz que os folhetos de cordel mais duradouros são aqueles que falam de
assuntos e figuras que o nordestino se identifica. “Para o homem do sertão,
interessa Lampião, o vaqueiro, padre Cícero, frei Damião, Irmã Dulce, coisas
que ele sabe da existência e do valor
Sou poeta das brenha, não faço o
papé
De argum menestrê, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola
Cantando, pachola, à percura de amô
Não tenho sabença, pois nunca
estudei
Apenas eu seio o meu nome assiná
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre
E o fio de pobre não pode estudá
Meu verso rastero, singelo e sem
graça
Não entra na praça, no rico salão
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão
Poeta da roça, de Patativa do
Assaré, maior poeta popular do Ceará
Além dos enredos sobre o contexto do campo, como
contado no trecho dessa obra de Patativa do Assaré, alguns cordelistas apostam
em assuntos mais complexos e atuais. Marxismo e capitalismo, a filosofia do
Mito da Caverna, Nelson Mandela e a luta pelo apartheid, biografias de
figuras ilustres da história e até as manifestações de junho no Brasil foram
tema para os versos de Medeiros Braga, cordelista da Paraíba.
Porém, a grande surpresa
Surgia mais varonil
Jovens foram para as ruas
Em um ambiente hostil
Levantando, alvissareiro,
O seu grito de guerreiro
Para mudar o Brasil
[...]
Havia na multidão,
Que ao poder assombrou,
Um cartaz que afirmava
Que “O Gigante Acordou!”
Dizia um outro, sem truque:
“Saímos do Facebook!”…
E a marcha confirmou.
As manifestações de junho –
vinte centavos que mudaram o Brasil, de Medeiros Braga (PB)
Com um stand durante um evento na
Universidade Federal da Paraíba, o poeta mostrou que o cordel pode tratar de
temas contemporâneos e ficar atento aos fatos históricos e às mudanças sociais.
“O mundo está destroçado e não há outra força de consertá-lo, senão
através da educação política do povo”, diz o poeta paraibano, para justificar a
escolha de temas atuais nos cordéis.
O cordel foi fundamental para a formação de um
público leitor numa época em que a educação formal não chegava aos grotões”,
afirma o pesquisador de cordel Marco Haurélio
Para Medeiros, a diversidade temática acompanha
as mudanças sociais. “A onça no pé da serra deu lugar à universidade que bem
pertinho chegou; o matuto lá em cima foi substituído, por um homem novo, mais
desengonçado, mais falante, mais conhecedor das coisas. Em cima da serra hoje
se encontra o jovem que à tardinha pega o transporte escolar e vai assistir
aula nos mais diversos graus de ensino. Por conta disso mudou também o
cordelista”.
Além dos cordelistas e poetas populares da terra,
outros nomes conhecidos da literatura no Brasil foram influenciados por esse
estilo: José Lins do Rego, Dias Gomes, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo
Neto, Rachel de Queirós, Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade, Manuel
Bandeira, Cecília Meireles e Ariano Suassuna.
Para o pesquisador Marco Haurélio, o cordel
contribui não só para marcar uma literatura regional, mas provocou efeitos
culturais, sociais e políticos. “O cordel, principalmente em seus primeiros
anos, foi de fundamental importância para a formação de um público leitor numa
época em que a educação formal não chegava aos grotões”, diz.
Matemática do cordel - Aquela
ideia de poesia como pura construção de versos rimados não cabe ao cordel. Há
muita matemática: tem a quadra (estrofe de quatro versos), sextilha (seis
versos), septilha (sete versos), martelo (estrofes formadas por decassílabos),
quadrão (os três primeiros versos rimam entre si, o quarto com o oitavo e o
quinto, o sexto e o sétimo também entre si), entre outros.
“A estrofe básica do cordel é a sextilha
setissilábica. Depois vem a septilha e, em escala bem menor, as décimas de sete
e dez sílabas”, explica Haurélio. Ele acredita que os bons poetas conseguem se
expressar em todos os estilos, mas alguns acabam não dando fluência e terminam
a linha com uma preposição ou artigo.
Para Bule Bule, a estética do cordel é baseada
muito em quem faz. “A tradição é o tamanho de 12×16 (formato do folheto). Outra
coisa básica é que o cordel de 8 páginas, sendo de sextilha, pode chegar até 40
estrofes; sendo de septilhas, normalmente 32 estrofes; sendo de dez versos,
você faz 24 estrofes por 8 páginas. E você vai multiplicando o múltiplo de 4. A
partir de 32 é romance”, finaliza.
De argum menestrê, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola
Cantando, pachola, à percura de amô
Apenas eu seio o meu nome assiná
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre
E o fio de pobre não pode estudá
Não entra na praça, no rico salão
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão
Surgia mais varonil
Jovens foram para as ruas
Em um ambiente hostil
Levantando, alvissareiro,
O seu grito de guerreiro
Para mudar o Brasil
[...]
Havia na multidão,
Que ao poder assombrou,
Um cartaz que afirmava
Que “O Gigante Acordou!”
Dizia um outro, sem truque:
“Saímos do Facebook!”…
E a marcha confirmou.
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